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estadão
28/07/2022
TUST e TUSD: o que muda com a Lei Complementar 194/2022 e seus efeitos práticos
Renata Dias Muricy
28 de julho de 2022 |  09h00 

Recentemente, o mercado de energia elétrica sofreu importantes alterações com a publicação da Lei Complementar nº 194, de 23 de junho de 2022, que alterou o Código Tributário Nacional e a Lei Complementar nº 87/1996 (a chamada “Lei Kandir”) para considerar bens e serviços essenciais os relativos aos combustíveis, à energia elétrica, às comunicações, e ao transporte coletivo, vedando a fixação da alíquota do ICMS em patamar superior das demais operações em geral.

A referida LC nº 194/2022 também afastou a incidência do ICMS sobre “serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica”, ou seja, sobre as chamadas Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão (“TUST”) e Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (“TUSD”).

A discussão acerca da incidência do ICMS sobre a TUST/TUSD não é recente no Poder Judiciário. Considerando a existência de decisões divergentes no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Recurso Especial nº 1.163.020/RS foi afetado para julgamento sob a sistemática de recursos repetitivos (Tema 9861). Vale dizer, a decisão que será proferida pelo STJ no referido Recurso Especial será aplicada para todos os processos judiciais que tramitam no país.

Vale também pontuar que, com o julgamento do Recurso Repetitivo, o STJ poderá modular os efeitos da decisão a ser proferida, restringindo eventual direito favorável para apenas os contribuintes que possuem medidas judiciais ajuizadas antes do julgamento a ser proferido pelo STJ.

Por outro lado, considerando que a LC nº 194/2022 deve ser aplicada imediatamente, entendemos que os Estados e o Distrito Federal não podem mais exigir o ICMS sobre a TUST/TUSD, desde a data de sua publicação (23/06/2022). No entanto, a maioria dos Estados não alterou sua legislação nesse sentido, gerando insegurança aos contribuintes.

À vista do cenário apresentado, o ajuizamento de medida judicial (a) evitaria eventuais autuações fiscais, por parte dos Estados que ainda não adequaram suas legislações/regulamentos; e (b) garantiria o direito à restituição dos valores recolhidos no passado, considerando o prazo prescricional de 5 (cinco) anos e eventual modulação a ser definida pelo STJ no julgamento do tema 968.

Importante analisar, ainda, os efeitos práticos da exclusão da incidência do ICMS sobre a TUST/TUSD, considerando o ramo de atividade do contribuinte: empresa comercial, industrial ou prestador de serviço não contribuinte do ICMS.

Isso porque a LC nº 87/1996 permite o aproveitamento do crédito do ICMS incidente sobre o consumo de energia elétrica utilizada no processo de industrialização. Tal benefício apenas pode ser aproveitado por indústrias e empresas que possuem algum tipo de processo industrial2. Assim, para as empresas industriais, a redução do ICMS incidente sobre a energia elétrica (em razão da exclusão da TUST/TUSD da base de cálculo), reduzirá, consequentemente, o crédito de ICMS tomado sobre a energia elétrica utilizada no processo de industrialização3.

Já para as empresas comerciais e prestadores de serviços, fica evidente a economia nos gastos com energia elétrica, se considerada a não incidência do ICMS sobre as parcelas de TUST/TUSD, embutidas nas contas de energia elétrica.

Renata Dias Muricy, advogada associada do Greco, Canedo e Costa Advogados

  1. Tema Repetitivo 986: Inclusão da Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica (TUST) e da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica (TUSD) na base de cálculo do ICMS (EREsp 1163020/RS, REsp 1699851/TO, REsp 1692023/MT, REsp 1734902/SP e REsp 1734946/SP).

  2. O Supremo Tribunal Federal, na apreciação da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2325, julgará a constitucionalidade da restrição estabelecida pela LC102/2000, ao vedar o aproveitamento de crédito de ICMS na aquisição de energia elétrica, permitindo apenas: (i) a quem a revende; (ii) utilize em operação de exportação; (iii) e consome no processo de industrialização.

  3. Vale pontuar que não é passível de crédito o consumo de energia relacionado aos setores administrativos, mas somente o consumo de energia utilizado no processo produtivo. Cada Estado estabelece, em seu RICMS, critérios específicos para a tomada crédito do ICMS referente à energia elétrica. De modo que os contribuintes com o direito ao crédito, precisam manter laudo técnico, revisado periodicamente, e medidores permanentes que segregam o consumo elétrico dos setores administrativos e industriais.

10/06/2022
O novo capítulo para exigência do ITCMD sobre doações e heranças no exterior
Graziele Pereira
10 de junho de 2022 |  09h00 

Primeiro, é preciso pontuar que a instituição do ITCMD depende de uma norma complementar nos casos em que o doador tiver domicílio/residência no exterior ou se a pessoa falecida possuía bens, era residente/domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior, conforme previsão do artigo 155,§ 1º, III, da Constituição Federal. Esta foi a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 851.108/SP (Tema 825), em sede de repercussão geral, ocorrido em março de 2021. Assim, o STF vedou aos Estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD sem a promulgação de lei complementar e modulou os efeitos da decisão, atribuindo-lhes eficácia a contar da publicação do acórdão, ocorrida em 19/04/2021. Referida decisão transitou em julgado em 24/05/2022.

 

Importante lembrar que o julgamento em sede de repercussão geral faz parte do controle difuso de constitucionalidade exercido pelo STF e, por se tratar de resolução de uma questão em demanda repetitiva, vincula o Poder Judiciário, a teor do disposto no artigo 927, III, do Código de Processo Civil.

 

No último dia 3 de junho, agora em sede de controle concentrado de constitucionalidade, o STF adicionou um novo capítulo à questão ao dar provimento à Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 67. A Corte declarou a omissão inconstitucional na edição da lei complementar a que se refere o mencionado artigo 155, § 1º, III, da CF e estabeleceu o prazo de 12 (doze) meses, a contar da data da publicação da ata de julgamento do mérito, para que o Congresso Nacional adote as medidas legislativas necessárias para suprir tal omissão.

 

Referida ADO nº 67 foi ajuizada pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, em face da mora do Congresso Nacional na edição da necessária lei complementar para o regular exercício da competência dos Estados e do Distrito Federal quanto à instituição do ITCMD sobre doações e herança no exterior.

 

Segundo o Ministro Relator Dias Toffoli, o prazo estabelecido de 12 meses é razoável e proporcional. A decisão serviria para incentivar o Congresso Nacional a exercer o seu papel após quase 34 anos do advento da Constituição Federal.

 

Vale lembrar que o STF já se posicionou quanto à autonomia do Poder Legislativo relativamente a decisões proferidas pela Corte em sede de controle concentrado de constitucionalidade: “A eficácia geral e o efeito vinculante de decisão, proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em ação direta de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal, só atingem os demais órgãos do Poder Judiciário e todos os do Poder Executivo, não alcançando o legislador, que pode editar nova lei com idêntico conteúdo normativo, sem ofender a autoridade daquela decisão” (Rcl 2617 AgR, Relator Ministro Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgamento em 23/02/2005 e, no mesmo sentido, Rcl 5.442-MC, Relator Ministro Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 31/08/2007).

 

Assim, caso o Congresso não edite a necessária lei complementar no prazo estabelecido, possivelmente o STF será chamado para apresentar uma nova solução ao impasse.

 

Atualmente, sobre o tema, tramitam quatro projetos no Congresso: PLS 432/17, no Senado; PLPs 363/2013, 37/21 e 67/21, na Câmara. A diversidade dos projetos evidencia os obstáculos a serem superados para a votação e aprovação, por maioria absoluta, das duas Casas, de uma lei complementar para atribuir regime uniforme nacional à matéria e contemplar os interesses do Estados e do Distrito Federal.

 

Aos contribuintes resta a certeza de que todo o cenário está sendo construído para legitimar a exigência do imposto sobre doação e herança no exterior e eventuais inconstitucionalidades serão objeto de uma futura análise pelo Poder Judiciário.

 

Graziele Pereira, advogada da área Tributária, sócia do escritório Greco, Canedo e Costa Advogados

10/06/2022
Decisão do STF sobre negociado e legislado consolida segurança jurídica

Advogados avaliam a possibilidade de medida atingir o Confaz; colegiados na mira, ainda a serem definidos, serão extintos a partir de 28 de junho

Luís Augusto Egydio Canedo e Guilherme Macedo Silva
10 de junho de 2022 | 03h00

O Supremo Tribunal Federal, por meio dos julgamentos da ADPF 381 e do Recurso Extraordinário 1.121.633, declarou a constitucionalidade da regra que estabelece a preponderância do negociado pelo legislado. Na prática, a Corte validou que acordos coletivos possam reduzir ou afastar direitos trabalhistas previstos em lei.

A Corte ratificou a constitucionalidade da regra inserida na CLT por meio da Reforma Trabalhista de 2017, segundo a qual os termos negociados com o sindicato prevalecem sobre a legislação trabalhista, desde que não impactem em direitos trabalhistas previstos na Constituição Federal.

Os ministros do STF fixaram a seguinte tese de repercussão geral (Tema 1046): “São constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”. A partir da decisão, todos os Tribunais devem seguir a mesma orientação jurisprudencial ao julgar casos envolvendo a mesma matéria.

A maioria dos ministros considerou que os acordos e convenções coletivas respeitam o procedimento estabelecido na Constituição, ao determinar a participação obrigatória dos sindicatos na relação de trabalho. Assim, de acordo com o STF, os legítimos representantes das empresas e dos trabalhadores, por estarem mais próximos da realidade laboral do que os legisladores, teriam melhores condições de negociar concessões e direitos do que a própria legislação em determinadas circunstâncias, respeitando a autonomia coletiva.

No entanto, de acordo com o posicionamento do STF, nem todos os direitos trabalhistas estariam sujeitos à negociação coletiva. Os ministros fizeram distinção entre direitos trabalhistas disponíveis e indisponíveis. O conjunto de direitos indisponíveis e, portanto, inegociáveis, restaram conhecidos por “patamar civilizatório mínimo” ou “mínimo existencial”. Eles consistem nos diretos trabalhistas estabelecidos no artigo 7º da Constituição Federal.

Assim, permanecem direitos inegociáveis do trabalhador: o 13º salário, a remuneração por horas extras, férias, irredutibilidade salarial, seguro-desemprego, dentre outros. Já os direitos estabelecidos em leis ordinárias podem ser objetivo de negociação, como o percentual de remuneração de horas extras, intervalo intrajornada, percentuais de adicionais de periculosidade e insalubridade, por exemplo.

Com a pacificação desse entendimento e a fixação da tese de repercussão geral – ou seja, de aplicação em todas as Varas e Tribunais Regionais do Trabalho – pode-se esperar alguns impactos nas relações trabalhistas. O primeiro deles é a garantia de maior segurança jurídica aos acordos e convenções coletivas pois, respeitados os limites constitucionais, passariam a prevalecer sobre a lei.

Outro impacto dessas decisões é um maior protagonismo dos sindicatos. Tanto os sindicatos patronais, quanto os representativos de empregados passam a ter impacto direto sobre os direitos e as condições de trabalho das pessoas que representam. Isso exige uma maior participação das empresas em sindicatos patronais, assim como maior responsabilidade dos sindicatos de empregados no relacionamento com os empregados que representa, de forma a assegurar que sua manifestação de vontade é condizente com o desejo da maioria.

A tendência, portanto, é de um menor número de ações judiciais com o intuito de questionar normas coletivas. Sobre esse ponto, inclusive, o Conselho Nacional de Justiça estima que cerca de 50 mil processos se encontram suspensos, pois estariam aguardando o posicionamento do STF sobre o tema. A tendência é de aumento das negociações coletivas e, consequentemente, da atuação sindical e empresarial. Assim, será preciso se estabelecer ferramentas para a garantia de que a manifestação dos sindicatos reflita, de fato, o desejo da maioria de seus representados.

Assim, o STF estabeleceu um novo marco para o direito dos trabalhadores, garantindo-lhes que os direitos constitucionais continuam indisponíveis e inegociáveis, mas criando a flexibilização de outros direitos que passam a estar sujeitos a negociação junto aos representantes do setor produtivo.

A decisão consolida a segurança jurídica das convenções coletivas legitimamente negociadas com os sindicatos representativos, permitindo uma maior flexibilidade das regras laborais aplicáveis a cada setor específico, diante das particularidades de cada segmento, conferindo inédita relevância à autonomia coletiva. Por outro lado, caberá aos sindicatos adotar políticas de maior interação com os seus representados, de maneira a assegurar que as condições acordadas reflitam o desejo dos trabalhadores e representem seus melhores interesses dentro do relacionamento laboral.

*Luís Augusto Egydio Canedo, advogado da área Trabalhista, sócio do escritório Greco, Canedo e Costa Advogados

*Guilherme Macedo Silva, advogado da área Trabalhista, do escritório Greco, Canedo e Costa Advogados

17/04/2019
Tributaristas alertam para ‘texto obscuro’ de decreto anti-conselhos

Advogados avaliam a possibilidade de medida atingir o Confaz; colegiados na mira, ainda a serem definidos, serão extintos a partir de 28 de junho

Luiz Vassallo e Pepita Ortega
17 de abril de 2019 | 15h53

Decreto 9.759/2019 do presidente Bolsonaro, editado para extinguir órgãos ‘colegiados da administração pública federal’, causou mais confusão do que certezas na avaliação da comunidade jurídica. Segundo advogados, a medida não deixou claro quais órgãos serão encerrados e permitiu a interpretação de fechamento do Confaz, o conselho de política fazendária que reúne os Estados para discutir política tributária, inclusive benefícios fiscais.

 

O decreto prevê que colegiados não criados por lei serão extintos a partir de 28 de junho. Depois dessa data, serão definidos quais órgãos permanecerão.

 

“A redação do decreto é confusa e de alcance jurídico incerto”, afirma o advogado Luís Augusto Egydio Canedo. “Sem um esclarecimento objetivo e preciso de seu alcance e efeitos, o decreto traz insegurança jurídica a órgãos da administração”, alerta Canedo, do escritório Canedo e Costa Advogados.

 

Os advogados dizem que o Confaz é o ‘mediador da guerra fiscal entre estados, composto por secretários de Fazenda, que votam sempre que um estado decide oferecer redução nos impostos’. O benefício só pode entrar em vigor se aprovado por unanimidade.

 

Segundo eles, com o tempo ‘estados passaram a usar de artifícios para driblar as restrições’.

 

O tributarista Guilherme Oliveira observa que o Confaz foi criado com base em legislação anterior à Constituição e ‘traz as marcas de uma época de pouca mobilidade econômica no país, quando investimentos estavam concentrados nas regiões Sul e Sudeste’.

 

“Com o maior desenvolvimento das outras regiões, houve um reflexo na distribuição dos investimentos, que começaram a ser descentralizados em função da concessão de benefícios fiscais, para que as empresas se instalassem em outras localidades”, anota Oliveira, sócio do escritório Oliveira e Belém Advogados.

 

Ele lembra que foi a Constituição quem estabeleceu que uma lei complementar deveria disciplinar as regras para, mediante deliberação de Estados e do DF, promover a concessão ou revogação de benefícios fiscais e isenções.

 

“Mas como não houve a publicação de uma lei complementar posterior à Constituição de 1988, a Lei Complementar 24/1975 acabou sendo recepcionada e é aplicada até hoje”, diz.

 

O tributarista Flávio Rodovalho afirma que ‘apesar de a redação confusa do decreto não deixar claro se o Confaz continuará ou não o conselho foi reconhecido por duas leis complementares federais, a 24, de 1975, e a  160, de 2017′.

 

“Se o Conselho hoje funciona, ainda que erroneamente, não acho que tenha sido extinto pelo decreto”, explica o advogado, que integra o Rodovalho Advogados.

 

“Um decreto não poderia extingui-lo, porque um decreto é inferior a uma lei. Além disso, quem faz e quem decide no Confaz são os Estados, e não o governo federal.”

 

Para o tributarista Igor Mauler, do escritório Mauler Advogados, uma eventual extinção do Confaz seria um desserviço. “O próprio decreto permite a manutenção dos conselhos a serem listados até junho. Será certamente o caso do Confaz”, prevê.

 

Os tributaristas afirmam que a possível extinção ‘ameaçaria acordos interestaduais, principalmente em relação ao ICMS’.

 

“Qualquer tentativa de extinguir o Confaz fatalmente trará um grande prejuízo para o contribuinte e para o poder público”, assevera Tiago Conde, sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados.

 

Para Conde, ‘o Confaz é fundamental para preservar a segurança jurídica e os interesses dos Estados, e é tão respeitado que o STF, ao julgar o caso da guerra fiscal, destacou a  importância da existência de autorização do Conselho para benefícios serem considerados constitucionais’.

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