18/03/2024
O CEÚ É O LIMITE
Fim do limite para contribuições ao Sistema S tem impacto maior em grandes empregadores
Danilo Vital
18 de março de 2024 | 08h49
Essas contribuições são pagas por força de lei, com alíquota definida de acordo com o ramo de atividade da contribuinte. Em regra, não se limitam às quatro entidades do chamado Sistema S.
Algumas contribuições são corporativas, pois são de interesse de categorias profissionais ou econômicas — Sesc, Senac, Sesi, Senai, Senar, Sest e Senat, por exemplo.
Outras, como as destinadas ao Sebrae, a Apex-Brasil e a ABDI, têm natureza jurídica de contribuição de intervenção no domínio econômico (Cide) e permitem o incentivo de determinado grupo de empresas em certas atividades econômicas.
O limite para essas contribuições é uma decorrência da forma como a Lei 6.950/1981 foi editada.
O artigo 4º indicou que a base de cálculo para a contribuição previdenciária — que nada tem a ver com as contribuições a entidades terceiras — teria como limite 20 vezes o valor do salário mínimo.
O parágrafo único, na sequência, estendeu esse teto para as contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros.
Mais tarde, o Decreto-Lei 2.318/1986, ao tratar especificamente das contribuições previdenciárias, revogou o teto de 20 salários mímimos para a base de cálculo.
Tamanho do impacto
Até a última quarta-feira (15/3), o STJ vinha entendendo que, apesar disso, o limite para as contribuições parafiscais seguia vigente. Por unanimidade de votos, a posição foi alterada.
A advogada Cinthia Benvenuto, sócia da Innocenti Advogados, ajudou a mensurar o impacto. Cada empresa calcula sua contribuição parafiscal de acordo com a alíquota definida por lei para o seu ramo de atividade. A média entre essas alíquotas é de 5,8%.
Tomando por base esse valor, uma empresa no início de 2024 pagaria sua contribuição tendo como base de cálculo 20 vezes o valor de R$ 1.412, que é o salário mínimo atualizado.
Ela pagaria, portanto, 5,8% de R$ 28.240. A contribuição total da empresa seria de R$ 1.637,92.
A partir de agora, essa mesma empresa pagará 5,8% sobre o valor de toda sua folha de pagamento. Quanto mais empregados ela tiver, maior será a contribuição, sem qualquer limite.
Se essa empresa tiver folha de pagamento de R$ 500 mil, a contribuição será 5,8% disso: R$ 29 mil. Nesse caso hipotético, o salto de contribuição é de mais de 17 vezes.
Até onde vai a tese?
A tese aprovada pela 1ª Seção do STJ faz referência direta às contribuições parafiscais devidas ao Sesi, Senai, Sesc e Senac. Durante o julgamento, o ministro Mauro Campbell chegou a propor uma extensão para as demais contribuições parafiscais.
Para Cinthia Benvenuto, não houve necessidade de entrar no mérito em relação a outras contribuições, já que a tese e a lógica desenvolvida no voto indicam que a posição é aplicada a todas elas.
“A ideia geral ficou bem colocada, que era de entender que o limite de 20 salários mínimos foi revogado. A revogação, então, pode ser estendida para todos os terceiros, não só para os casos envolvendo as integrantes do Sistema S”, explica.
Graziele Pereira, sócia do Greco, Canedo e Costa Advogados, cita um importante indício disso: a decisão mais recente favorável aos contribuintes no STJ trava de contribuições ao Salário-Educação, Divisão de Portos e Canais (DPC), Fundo Aeroviário (FAer) e Incra.
Ela foi tomada no REsp 1.570.980, julgado pela 1ª Turma do STJ em 2020. Ainda assim, ela adianta que o tema deve gerar mais discussões, algo que a proposta do ministro Mauro Campbell inicialmente buscou evitar.
“Não houve pronunciamento quanto às outras contribuições devidas a terceiros, o que deve motivar a apresentação de embargos de declaração”, afirma.
Mudança de jurisprudência
A mudança da jurisprudência e o alto impacto para os contribuintes representou uma forte quebra de expectativa, o que gerou críticas.
Rejiane Prado, do Barbosa Prado Advogados, aponta que o Judiciário vem abandonando uma função quase educacional de demonstrar que normas fundamentais não poderiam ser ignoradas com o simples propósito de arrecadação.
“O que vemos hoje é um Tribunal que, por alegações de danos irremediáveis aos cofres públicos, altera jurisprudência pacífica, contraria regras básicas de formação dos tributos e ignora previsões expressas em lei com o fim de ratificar cobrança ilegal e indevida”, diz.
“O julgamento improcedente da tese de limitação das contribuições ao Sistema S pelo STJ, com o devido respeito, é uma demonstração da insegura jurídica que vivemos no país”, acrescenta.
REsp 1.898.532
REsp 1.905.870
24/03/2023
Ações de empresas norte-americanas recebidas como remuneração
Por Roberto de Souza Ferreira Greco e Marcelo Botelho Pupo
24 de março de 2023 | 15h06
Estamos no período de elaboração das declarações de Imposto de Renda das pessoas físicas no Brasil e com frequência somos questionados sobre os efeitos tributários do recebimento de ações de empresas norte-americanas como parte da remuneração, dos dividendos recebidos e do ganho de capital no momento da venda.
Não entraremos no mérito sobre os diferentes tipos de planos de benefícios aos colaboradores com ações (stock option plan), pois os efeitos jurídicos e tributários podem ser distintos. Por isso nossos comentários partem da premissa de que as ações são concedidas no exterior como parte da remuneração.
Nessas condições, os colaboradores devem considerar as ações recebidas como um rendimento do trabalho pago no exterior, que está sujeito ao pagamento do imposto de renda mensal obrigatório (o chamado "carnê-leão") no Brasil, de acordo com a tabela progressiva de alíquotas e deve compor o total da remuneração a ser reportada nas declarações de imposto de renda da pessoa física, o que também ocorre em relação aos dividendos recebidos das ações mantidas nos Estados Unidos.
Em relação às vendas das ações recebidas no exterior, caso o valor de venda seja superior ao valor recebido em remuneração e as ações tenham sido recebidas em um período de residência fiscal no Brasil, o colaborador deverá apurar o imposto incidente sobre o ganho de capital, de acordo com a tabela progressiva específica para esse tipo de rendimento.
É importante ressaltar que a Secretaria da Receita Federal do Brasil possui entendimento formalizado de que entre Brasil e Estados Unidos há a reciprocidade de tratamento tributário, de maneira que eventual imposto de renda federal pago nos EUA pode ser utilizado como crédito no Brasil.
Além das regras brasileiras, outro ponto que chama a atenção são as regras de sucessão nos Estados Unidos. Em trabalho divulgado por empresas de auditoria e consultoria norte-americana, é noticiado que pessoas não residentes nos Estados Unidos que possuem ativos nos EUA, dentre eles, ações de empresas norte-americanas estão sujeitas a inventariar as ações nos EUA e a pagar o imposto sobre sucessões, naquele país, que varia de 12% a 40% sobre o valor de mercado das mesmas, sempre que a totalidade dos bens mantidos nos Estados Unidos superar US$ 60 mil.
Assim, em casos de morte inesperada de brasileiros que possuíam mais de US$ 60 mil em ativos nos EUA, o que inclui as ações de empresas norte-americanas, além de imóveis e outros bens, cuja transferência requeira a intervenção de autoridades norte-americanas, a família se viu com a necessidade de contratar escritórios nos Estados Unidos para a realização do processo sucessório e arcar com até 40% do valor de mercado das ações para o pagamento de imposto sobre sucessões norte-americano.
Portanto, o recebimento de ações como parte da remuneração requer não só o cuidado em relação aos efeitos tributários no Brasil sobre os rendimentos, mas também um planejamento para evitar consequências nos EUA em casos de sucessão.
Roberto de Souza Ferreira Greco é sócio proprietário do Greco, Canedo, Costa & Pereira Sociedade de Advogados.
Marcelo Botelho Pupo é consultor tributário do Greco, Canedo, Costa & Pereira Sociedade de Advogados.
https://www.conjur.com.br/2023-mar-24/greco-pupo-ir-acoes-empresas-norte-americanas
05/10/2022
BRIGA DAS BOAS
Decisão sobre preço de transferência aumenta chance de anulação de infrações
José Higídio
5 de outubro de 2022 | 18h52
A decisão da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que estabeleceu que a Fazenda Nacional não poderia ter alterado a fórmula de tributação das operações entre multinacionais pertencentes ao mesmo grupo econômico a partir da Instrução Normativa (IN) 243/2002 causou celeuma entre os estudiosos em Direito Tributário.
A norma modificava a forma de cálculo do preço de transferência por meio de um aumento da base do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). O STJ, portanto, desonerou o contribuinte no período de vigência da IN — de 2002 a 2012.
A decisão entra em conflito com a Súmula 115 do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), segundo a qual o método da IN 243/2002 é válido.
De acordo com tributaristas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico, isso significa que as autoridades tributárias ainda devem manter administrativamente a aplicação do ato infralegal. Porém, aumentam as possibilidades de anulação de tal interpretação na Justiça.
Necessidade de judicialização
Desde 2019, as súmulas do Carf têm força vinculante para a administração tributária federal. Ou seja, a Súmula 115 continuará a ser aplicada no conselho e "só perderá esse efeito vinculante a partir do momento em que for revogada", como explica o tributarista André Félix Ricotta de Oliveira, presidente da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da OAB-SP, subseção Pinheiros.
O Regimento Interno do Carf autoriza a revogação da súmula se o Supremo Tribunal Federal proferir decisão contrária a ela em repercussão geral, ou se o STJ fizer o mesmo em recurso repetitivo.
Leonardo Freitas de Moraes e Castro, sócio da área tributária do VBD Advogados, ressalta que isso não ocorreu no julgamento em questão. "Diante do cenário hoje vigente, ainda será necessário que o contribuinte recorra ao Judiciário para afastar a metodologia de cálculo de preço de transferência imposta pelo Fisco na IN 243/2002 para o seu caso concreto."
Por sua vez, Graziele Pereira, sócia do escritório Greco, Canedo e Costa Advogados, aponta que "a jurisprudência do STJ deverá ser consolidada em sede de recurso repetitivo para que possa haver fundamento para a revogação da súmula do Carf". Ela lembra que os contribuintes sempre podem acionar a Justiça para alterar decisões do órgão administrativo.
Arthur Barreto, do DSA Advogados, reforça que a decisão da 1ª Turma vincula apenas o contribuinte envolvido no processo. De qualquer forma, ela serve como parâmetro para decisões posteriores dos tribunais.
"É esperado, portanto, que o posicionamento do Fisco e do Carf não seja modificado por força da decisão. Mas os contribuintes ganharam um precedente importante para as discussões judiciais sobre o tema, permitindo vislumbrar um cenário mais favorável à desconstituição judicial das cobranças relacionadas a esse assunto", diz ele.
Como a decisão "não é automaticamente aplicável a outros contribuintes em mesma situação", Dante Zanotti, sócio da prática tributária do Lefosse, considera que "a Receita Federal e a PGFN devem continuar, por enquanto, defendendo a aplicação da IN 243/2002". Com isso, os casos tendem a continuar terminando em litígio, pelo menos até que haja uma definição pelas duas turmas do STJ que julgam temas tributários, ou pela seção que congrega as duas turmas.
Adriano Milanesi Sutto, do Bichara Advogados, destaca que a decisão foi da 1ª Turma, e não da 1ª Seção, que é responsável pela uniformização da jurisprudência tributária do tribunal. Mas, segundo ele, "de toda forma, esse primeiro julgamento pode ensejar o exame de outros casos e o reconhecimento da controvérsia dentro da sistemática de recursos repetitivos, o que poderia resolver o contencioso administrativo fiscal de maneira mais célere".
Por enquanto, sem julgamento de repetitivo, a decisão do STJ ainda é, nas palavras de Sutto, "um ótimo precedente que poderá ser invocado pelo contribuinte que tiver essa discussão em curso, podendo influenciar positivamente o exame de seus casos individuais", mas não necessariamente terá impacto positivo nos julgamentos administrativos sobre o tema.
Juliana Porchat de Assis, sócia da área tributária do FAS Advogados, entende que o precedente "tem peso considerável na forma como a jurisprudência se formará a partir de agora, sendo provável que ele venha a ser apreciado também no STJ em âmbito repetitivo, que vincula o Carf". Ou seja, o novo cenário, além de poder resultar em anulação de infrações milionárias, "inicia um processo que pode resultar na revisão da súmula".
Relevância do tema
Gustavo Haddad, sócio da prática de Tributário do Lefosse, destaca o pioneirismo da decisão do STJ no "principal contencioso relacionado à matéria de preços de transferência no país". Segundo ele, o precedente se aplica a diversas multinacionais que operam no Brasil e os valores envolvidos chegam à casa das centenas de milhões.
"A expectativa é a de que a decisão proferida possa estimular a revisão da posição de algumas turmas de Tribunais Regionais Federais que vinham decidindo contra a posição agora aceita pelo STJ."
Na visão de Francisco Lisboa Moreira, sócio do Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues Advogados, o precedente do STJ será importantíssimo para "garantir o princípio da legalidade", pois poderá ser usado por "todas as empresas que ainda possuam discussões em andamento" nas tentativas de reverter as autuações.
No entanto, ele acredita que a súmula do Carf demorará a ser revista, pois a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) "ainda recorrerá neste e nos demais casos em andamento sobre essa tese".
Liz Marília Vecci, sócia fundadora do Terra e Vecci Advogados, acrescenta que o STJ segue uma tendência de "observar o princípio da legalidade", mas ainda não é possível saber como a jurisprudência se firmará. Mesmo assim, a sugestão da advogada para as multinacionais que discutem a questão no Carf é a judicialização.
Fernanda Approbato, advogada da área de Direito Tributário do BBL Advogados, tem percepção semelhante. Segundo ela, a decisão da 1ª Turma deve funcionar como precedente para os tribunais. "Em se firmando esse posicionamento no âmbito do STJ em caráter geral, deverá futuramente ocorrer a revisão dos termos da Súmula 115 pelo Carf."
15/09/2022
FICARAM NA VONTADE
Supremo forma maioria para manter suspensão do piso de enfermagem
Revista Consultor Jurídico
15 de setembro de 2022 | 18h03
O Plenário do Supremo Tribunal Federal formou nesta quinta-feira (15/9) maioria para manter a decisão que suspendeu a Lei 14.434/2022, que criou o piso salarial nacional da enfermagem.
A norma havia estabelecido piso de R$ 4.750 para enfermeiros, 70% desse valor para técnicos de enfermagem e 50% para auxiliares de enfermagem e parteiras.
O relator, ministro Luís Roberto Barroso, entendeu que a lei não deve entrar em vigor até que os entes públicos e privados da área da saúde esclareçam o seu impacto financeiro e os riscos de demissões no setor e redução na qualidade dos serviços.
Em seu voto, o ministro destacou a importância da valorização dos profissionais de enfermagem, mas afirmou que "é preciso atentar, neste momento, aos eventuais impactos negativos da adoção dos pisos salariais impugnados". "Trata-se de ponto que merece esclarecimento antes que se possa cogitar da aplicação da lei", completou ele.
Os ministros Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Luiz Fux seguiram o relator. Já os ministros André Mendonça, Nunes Marques e Edson Fachin divergiram do entendimento. O julgamento, feito no Plenário Virtual, será encerrado nesta sexta feira (16/9).
A ação direta de inconstitucionalidade julgada pela corte foi apresentada pela Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde).
Ao acompanhar o voto do relator, o ministro Gilmar Mendes argumentou que "é imprescindível que, quanto ao setor privado, um piso nacional como o que se ensaia leve em consideração as diferenças sócio-econômicas que existem entre as regiões do Brasil, o que fatalmente impacta no salário médio dos profissionais de enfermagem".
Ele exemplificou que "o mesmo piso que pode ser insuficiente em um estado como São Paulo pode afigurar-se impraticável com a realidade do mercado de estados menos abastados".
Divergências
O ministro André Mendonça divergiu quanto à presença de "conveniência política" na aprovação do piso salarial. No voto, ele destacou que "não se pode negligenciar outrossim os legítimos questionamentos suscitados pela doutrina acerca das capacidades institucionais de que dispõe o Poder Judiciário para promover de forma mais adequada a 'avaliação de impacto' da medida legislativa sob escrutínio".
Mendonça entendeu que "quanto maior o hiato deixado pelo constituinte ao legislador ordinário, menor a margem de controle do fiscal constitucional. Maior é a necessidade de autocontenção judicial e deferência à vontade majoritária, levada a cabo pelo legislado". Assim, o ministro recomendou uma "postura inicial de maior autocontenção", privilegiando-se as "virtudes passivas" da corte.
Análise da medida
Matheus Gonçalves Amorim, sócio do escritório SGMP Advogados, avalia que "a decisão é acertada, ante o risco de completo colapso do sistema de saúde, e corrige um vício do próprio processo legislativo, que deveria ter colhido estas mesmas informações antes de aprovar a fixação de um piso salarial muito superior à média remuneratória de praticamente todos os estados".
Ele destaca que muitos dos hospitais que hoje atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS) são entidades privadas ou filantrópicas que há muito tempo vem enfrentando graves dificuldades financeiras.
Já Guilherme Macedo Silva, advogado da área trabalhista do escritório Greco, Canedo e Costa Advogados, entende que é preciso cautela na aplicação do novo piso salarial.
"Isso porque a Constituição Federal garante a irredutibilidade salarial, ou seja, não é permitido aos empregadores a redução de salários pagos a seus empregados. Dessa forma, as empresas que já passaram a aplicar o novo piso salarial, independentemente de nova decisão do STF, não poderiam reduzir os salários aos valores que pagavam antes aos seus empregados."
Clique aqui para ler o voto do relator
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ADI 7.222
08/08/2022
Processos parados no Carf afetam empresas, escritórios e União
Rafa Santos
8 de agosto de 2022 | 08h23
Os efeitos da pandemia e a da greve dos auditores fiscais da Receita Federal fizeram com que Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) tivesse o maior volume de processos tributários parados desde 2011. O valor dessas demandas já supera a marca de R$ 1 trilhão conforme levantamento do jornal O Globo.
Em 2022 o número de processos parados segue aumentando. "No conselho nada foi julgado. Já havia um volume de demandas muito grande por conta dos efeitos da crise sanitária e isso se agravou esse ano", explica Augusto Paludo, sócio da Covac Sociedade de Advogados.
O escritório em que Paludo trabalha tem 95 processos — cujo valor se aproxima de R$ 1 bilhão — parados no Carf. Essa morosidade no julgamento de processos administrativos impacta todas as partes envolvidas nas demandas.
As empresas, por exemplo, têm cada vez mais que contingenciar valores para arcar com os processos parados em caso de derrota. Já os escritórios acabam vendo parte expressiva dos seus contratos comprometidos, já que em muitos casos boa parte da remuneração dos advogados consiste em um bônus pago ao final do processo em caso de êxito.
O presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Processo Tributário (IDPT) Igor Mauler Santigo vai além e lembra que a própria capacidade de arrecadação da União fica comprometida. "Talvez o maior prejudicado seja a coletividade, que fica privada da receita correspondente à parcela dos lançamentos que deveria ser mantida pelo Carf. Esse infarto da arrecadação tributária, num momento de crise como o que vivemos, cobra um preço muito alto da população", resume.
A média histórica de processos parados no Carf sempre girou em torno de R$ 600 bilhões. Até julho do último ano, esse total era de R$ 882 bilhões. Maria Teresa Grassi, sócia do contencioso tributário do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados, lembra que a morosidade sempre foi um problema no Carf, mas, garante que o problema se agravou em 2022. "A pandemia contribuiu para aumentar o número de casos parados, mas historicamente um processo quando chega ao Carf demora de três a cinco anos para ser efetivamente julgado", explica.
Além da herança deixada pelos efeitos da crise sanitária, a greve dos auditores da Receita ajudou a agravar ainda mais o quadro. "Trabalhamos com dezenas de casos pendentes de julgamento. O que temos visto é que os processos têm sido pautados para julgamento, mas na véspera o Carf divulga um comunicado informando do cancelamento por falta de quórum", explica.
Número astronômicos
Existem 160 processos em tramitação no tribunal com valor de R$1 bilhão ou mais. Somados, eles chegam a R$ 444,7 bilhões. Ou seja, 42% do estoque está concentrado em menos de 200 casos, segundo O Globo.
Há ainda um estoque de 1.250 processos na faixa de valor entre R$ 100 milhões e R$ 1 bilhão, que chegam ao montante de R$ 337 bilhões. Outros R$ 165,1 bilhões são referentes a 4,5 mil processos entre R$ 15 milhões e R$ 100 milhões.
Já R$ 106,1 bilhões estão distribuídos em 52,3 mil processos na faixa de R$ 72,7 mil a R$ 15 milhões. Por fim, R$ 687,4 milhões dizem respeito a pouco mais de 34 mil processos, todos com valor abaixo de R$ 72 mil.
Judicialização não é o caminho
Uma unanimidade entre os advogados que estão lidando diretamente com os processos parados do Carf é que judicializar essas demandas não é o melhor caminho.
Entre as razões estão o custo mais alto de levar esses processos ao Poder Judiciário e a capacidade dos quadros técnicos do Carf para analisar demandas tributárias. "Não é vantajoso porque, se o contribuinte perder um processo administrativo, ainda pode recorrer judicialmente. Já nos casos de vitória, o Fisco não pode recorrer", explica André Guimarães, líder da área de contencioso tributário administrativo da LacLaw Consultoria.
A carteira de clientes da consultoria em que Guimarães trabalha tem processos cujo valor gira em torno de R$ 100 milhões.
Graziele Pereira, advogada da área Tributária, sócia do escritório Greco, Canedo e Costa Advogados, afirma que a banca tem em torno de 70 processos parados. "Atuo no caso de uma cooperativa que tramita no Carf desde 2008 e que após o julgamento continua parado por um erro deles. Era um caso apenso de PIS e Cofins, mas julgaram apenas o caso de PIS. E estamos há um ano tentando fazer com que eles julguem embargos de declaração por conta de um erro que eles mesmos cometeram", lamenta. A especialista explica que é muito difícil para o cliente que segue com a pendência contábil enquanto os embargos não são julgados.
O relacionamento com os clientes também exige mais dos advogados com o atual acúmulo de processos no Carf. Paludo explica que é preciso jogo de cintura para explicar por que processos ficam sem movimentação por dois anos. "A insatisfação entre os clientes é muito grande. Ir para o Judiciário também não é algo vantajoso pela possibilidade de ter que congelar um bem ou reservar um montante em dinheiro para ter a Certidão Negativa de Débitos", explica.
Apesar da morosidade, o consenso é de que, se a situação é ruim com o Carf, é pior sem ele.
05/08/2022
Novas regras do teletrabalho têm furos e haverá judicialização, dizem especialistas
Matheus Silva Alves
5 de agosto de 2022 | 19h04
Na quarta-feira (3/8), o Senado Federal aprovou o projeto de lei de conversão da Medida Provisória 1.108/2022, que regulamenta o teletrabalho. Em cima do laço, já que a MP caducaria nesta sexta-feira (5/8). O texto, que já havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados, seguirá para sanção do presidente da República — e é pouco provável que haja modificações dignas de nota.
A norma aprovada pelos senadores determina que o teletrabalho — definido como a prestação de serviço fora das dependências da empresa, de maneira preponderante ou híbrida, que não configure labor externo — deve constar expressamente no contrato individual de trabalho. O documento poderá prever horários e meios de comunicação entre empregado e empregador, desde que garantidos os repousos.
Empresários e trabalhadores esperavam que a transformação da MP em lei cobrisse as várias lacunas legais que assombravam o teletrabalho, tipo de labuta que ganhou enorme projeção por causa da Covid-19, e desse segurança jurídica ao tema. No entanto, isso não ocorreu, ao menos não para os advogados trabalhistas convocados pela ConJur para refletir sobre o assunto.
Ricardo Calcini, professor e coordenador editorial trabalhista, foi direto ao ponto: "A aprovação da MP mais prejudica o sistema do trabalho a distância do que o beneficia". A explicação: agora, as empresas são obrigadas a dar aos empregados que atuam de maneira remota o mesmo tratamento dos que trabalham presencialmente, o que inclui o controle de jornada. Para Calcini, isso vai desestimular os empresários a adotar o teletrabalho.
"A reforma trabalhista (de 2017) permitia que o teletrabalho não tivesse controle de jornada, o que dava flexibilidade às empresas para as contratações", disse o professor. "Além disso, várias outras questões do teletrabalho não foram regulamentadas. Por isso eu penso que a aprovação da MP vai trazer pouca ou nenhuma efetividade para incentivar o trabalho a distância".
Muitos furos
Quando Calcini, que é colunista da ConJur, diz que vários outros pontos do teletrabalho não foram devidamente regulamentados pelo novo texto, ele não está exagerando. Até mesmo os especialistas que se mostraram satisfeitos com o resutado do trabalho dos parlamentares admitem que ele tem falhas. É o caso de Fernanda Garcez, sócia e responsável pela área trabalhista do escritório Abe Advogados.
Na avaliação dela, a novidade legislativa não esclarece quem deve bancar os custos do teletrabalho — energia elétrica, internet, equipamentos e por aí vai. "A reforma trabalhista dizia que o contrato deveria dispor sobre os custos de infraestrutura do empregado. Como a Justiça trabalhista é muito protecionista, podem surgir dúvidas se a empresa deve ou não pagar uma ajuda de custo mensal para cobrir as despesas do home office", afirmou ela. "No meu entendimento, careceu um pouco de o legislador entrar nessa matéria. Deixar isso para a esfera contratual, como foi feito em 2017, pode gerar discussão".
Fernanda também menciona uma dúvida que ficou no ar sobre o uso de meios digitais (como aplicativos de troca de mensagens) fora da jornada de trabalho. Segundo a advogada, a lei não deixa suficientemente claro se o empregado tem direito a horas extras — ela defende que sim. Por sua vez, Karoline Carvalho de Souza, profissional da área trabalhista da banca SGMP Advogados, alertou para a falta de uma melhor solução para um tema importante: o acidente de trabalho em home office.
"Haverá dificuldade para averiguar de quem é a culpa em um possível caso de acidente ou doença ocupacional: se é do empregador, que não instruiu o trabalhador de forma contundente e não fiscalizou o cumprimento das normas de saúde e segurança de forma efetiva, ou do trabalhador, que foi negligente e descumpriu as orientações recebidas. Não parece razoável responsabilizar o empregador por situações que fogem ao seu controle, tampouco há na legislação parâmetro balizador", comentou a causídica.
Guilherme Macedo Silva, advogado da área trabalhista do escritório Greco, Canedo e Costa Advogados, também se decepcionou com a ausência de mais clareza sobre o tema no texto legal. "Esperava-se que o texto do projeto de lei regulamentasse situações de saúde e segurança do trabalho no regime de teletrabalho", afirmou ele. "Também se destaca o fato de que a preferência pela adoção do teletrabalho por empregados portadores de deficiência, com filhos ou guarda de crianças menores de quatro anos tampouco foi regulamentada".
Na opinião de Rodrigo Marques, coordenador do núcleo trabalhista do Nelson Wilians Advogados, essas várias lacunas legais obrigarão as empresas a serem muito cuidadosas na elaboração do contrato de trabalho, que, por exemplo, deverá deixar claro quem paga as despesas do home office.
"O texto é integralmente omisso quanto à responsabilidade efetiva ou não do empregador sobre o fornecimento da infraestrutura básica e de ajuda de custo para a atividade regular do empregado em regime de teletrabalho", lamentou ele.
Como se nota, a MP transformada em lei ainda deixa muitas dúvidas sobre o teletrabalho. Mas de uma coisa os especialistas consultados pela ConJur não duvidam: no fim das contas, essas lacunas da legislação terão de ser cobertas, como sempre, pelo Poder Judiciário.
03/08/2022
Retomada de audiências presenciais no TRT-1
Luis Augusto Egydio Canedo e Guilherme Macedo Silva
3 de agosto de 2022 | 07h07
Uma das consequências deixadas pela pandemia na Justiça do Trabalho foi a realização de audiências telepresenciais ou híbridas (em que as partes podem optar por comparecer presencialmente ou por participar remotamente). No entanto, o ordenamento jurídico determina que, via de regra, as audiências e atos processuais devem ser feitos presencialmente.
Nesse sentido, a OAB-RJ acionou o Conselho Nacional de Justiça (Pedido de Providências nº 0003504-72.2022.2.00.0000) requerendo a retomada da realização de audiências no âmbito do TRT-1. Esse pedido foi acatado em decisão monocrática do ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, que determinou a imediata retomada dos atos presencias, admitindo-se o modelo telepresencial, ou híbrido, exclusivamente se requerido pelas partes, ou em hipóteses específicas para situações atípicas.
Tal decisão ainda está restrita ao TRT-1, contudo, já houve questionamento pelo ministro Luiz Fux, do STF, que preside o CNJ, para levar a questão ao plenário do Conselho ainda em agosto deste ano. Ele diverge da decisão monocrática do ministro Luiz Philippe, entendendo que a obrigatoriedade da presença dos magistrados na sede dos juízos implicaria necessariamente na presença de partes, advogados e membros do MP.
No entanto, Luiz Philippe apenas reiterou o que já está previsto no ordenamento jurídico no que tange aos magistrados, e o seu dever de residir nos locais designados para sua atuação e da condução preferencialmente presencial dos atos processuais. São previsões contidas na Constituição Federal, na Lei Orgânica da Magistratura Nacional, na CLT e em resoluções do próprio CNJ.
A decisão destaca o fato de que o CNJ não autorizou que magistrados atuassem em regime de teletrabalho, sendo que as excepcionalidades trazidas pelo período pandêmico não afastaram o dever de comparecimento presencial destes em seus respectivos foros.
Muito embora a pandemia tenha acelerado a digitalização de atos processuais, traduzidas principalmente nas iniciativas "Juízo 100% Digital" e "Programa Justiça 4.0", ambos do CNJ, ainda é dever do magistrado atender à sociedade presencialmente, se assim for de maior conveniência para as partes.
Nesse sentido, a decisão do ministro Luiz Philippe empodera as partes, já que não ficam sujeitas a decisões de ofício proferidas pelos juízes do trabalho, podendo requerer a condução das audiências da forma mais conveniente, cabendo ao juiz a palavra final quanto à modalidade da audiência, se justo para os litigantes.
Assim, em consonância com os objetivos do próprio CNJ, a utilização de tecnologia teria potencial para aumentar o acesso à Justiça, uma vez que gastos com deslocamento, diligências, contratação de advogados correspondentes, dentre outros, poderiam ser reduzidos, além do fato de que trabalhadores e empresas não estariam limitados geograficamente para contatar seus advogados, aquecendo o mercado jurídico como um todo.
Contudo, deve-se levar em consideração que as realidades de cada região do país são distintas e que nem todos os brasileiros possuem acesso a meios tecnológicos e, por essa razão, que ainda é imprescindível que audiências e atos processuais ainda possam ocorrer presencialmente e que sejam presididos fisicamente pelo magistrado competente.
Ainda que os avanços tecnológicos permitam ampliar o acesso à Justiça, isso não significa dizer que todos estão contemplados por suas possibilidades, principalmente a população que mais necessita da Justiça do Trabalho e não possui condições tecnológicas. Por essa razão, o ministro Luiz Philippe deixa evidente duas tendências para o futuro próximo do processo do trabalho: o empoderamento das partes para melhor uso da tecnologia em seus processos e a imprescindibilidade da presença dos magistrados onde mais se necessita.
Luís Augusto Egydio Canedo é advogado da área Trabalhista, sócio do escritório Greco, Canedo e Costa Advogados.
Guilherme Macedo Silva é advogado da área Trabalhista, do escritório Greco, Canedo e Costa Advogados.